Olho seu corpo nu, suado e adormecido na quase escuridão e penso que sempre achei estranha a predileção de alguns pais por este ou aquele filho. Acendo o abajur da mesinha de cabeceira e escuto o falso silêncio da casa adormecida. Papai e mamãe devem estar dormindo. Jamais suspeitariam que acabo de fazer amor pela primeira vez. É uma sensação estranha, mas não mais estranha do que a idéia de ter um filho preferido.
Foi assim: comecei a suspeitar por causa dos Natais. Adélia, minha irmã mais velha, parecia ganhar presentes mais significativos e mais caros, também. Eu sabia que era meu pai quem escolhia e comprava nossos presentes. Mamãe era submissa até nessas coisas. Mas, nunca imaginei o ponto em que tudo chegaria...
Ela geme em sonho e remexe o corpo, separando levemente as pernas. Vejo seu sexo ainda úmido. Meu pau revive, mas ignoro sua ditadura como um inconseqüente. Não sei se quero mais. Só sei que não me sinto diferente de antes. Não deixei de ser eu mesmo, nem vejo as coisas de outro modo. Agora, só não sou mais virgem. Para alguém com 15 anos que transou pela primeira vez com uma mulher de 19, posso dizer que tenho mais sorte do que a maioria dos garotos que conheço. Mas, no fundo, sinto que é como descobrir um vinho fantástico num boteco de quinta categoria e não dar a mínima...
A primeira vez que fui à adega foi porque Adélia me levou.
Papai havia herdado a casa, enorme para qualquer padrão: quatro quartos, duas salas, biblioteca, copa, cozinha, lavanderia e a adega, encravada na área externa entre o canil e o jardim fechado. Herdou, também, umas duzentas garrafas de vinho e dois barris que ninguém sabia o que continham. Sem contar as centenas de vidros vazios, garrafas, rolhas, tinas e várias coisas que, por falta de onde aportarem, permaneciam empoeiradas na escuridão mofada da adega, como embarcações que jamais voltariam a ver o mar.
Adélia disse que queria me mostrar uma coisa. Eu devia ter uns 11 anos, ela já ia fazer 15 e não tinha mais aquele ar de menina, mas ainda gostava de brincar comigo pela casa. “Você não imagina o que eu achei! Mas, não pode falar nada! Se papai descobrir, nós dois estamos ferrados!”, disse, me arrastando pela mão. Fui carregado com pressa pela escuridão até chegarmos a um átrio meio iluminado.
A luz, empoeirada feito tudo o mais, tentava entrar por alguma clarabóia encardida que se perdia no teto de carvão, mas havia o suficiente para mostrar uma cama de solteiro com roupas desalinhadas e várias revistas espalhadas em cima. “Olha só!”, disse Adélia, “Viu, não te falei?!” Fiquei sem entender, enquanto ela apontava a cama e as revistas e devo ter feito uma cara de quem realmente não viu nada de mais, já que Adélia me chacoalhou e quase gritou, enquanto agarrava uma revista: “Não tá vendo, bobo? Isso aqui deve ser do papai... Vê só essas revistas...” Foi aí que eu tive uma visão de tudo e, não sendo mais tão inocente, entendi o que ela queria dizer. As fotos coloridas quase pulavam das páginas em closes explícitos de cores pulsantes que me deixaram sem fôlego. Homens e mulheres enroscados em danças sexuais congeladas no tempo. Brilhos, pêlos, sulcos, pregas, saliva e êxtase.
Sentei na cama e comecei a folhear as revistas, esquecendo-me completamente de Adélia. Depois de ter devorado duas ou três revistas, ouvi a gargalhada. Ergui os olhos e Adélia me olhava de um jeito cínico e divertido. “Eis que surge o macho, afinal!”, disse e riu mais ainda. Olhei para baixo e percebi que uma ereção monstruosa esticava o tecido dos meus shorts quase a ponto de rasgá-lo. Tentei disfarçar, cobrindo o colo com uma revista e olhei constrangido para Adélia.
“Isso é normal, bobo! Deixa de besteira!”, falou, como se desprezasse o fato. “Ei! Quer ver uma coisa prá valer?!”, falou e rapidamente levantou a saia. Vi que estava sem calcinha e que seus pêlos eram abundantes e negros. Pareciam me chamar, senhores de engenho de olhos em seu escravo prostrado e vencido... Saí correndo da adega como se perseguido por um demônio, a gargalhada dela me seguindo como um eco sem direção. Me fechei no banheiro e, pela primeira vez, minha masturbação frenética produziu uma aguinha branca e viscosa, que ficou pendurada na cabeça do meu pau como um visgo. Achei que ia morrer de alguma doença ruim só por ter visto o sexo da minha irmã...
Apago a luz do abajur e vou fumar na varanda, vendo a noite se espalhando em silêncios acorrentados pelos becos e ruas. A cidade já não é mais a mesma... e nem eu. O corpo nu que ressona sobre a cama é a prova disso. Me vejo como um náufrago sem chance que vê se afastar o último barco no horizonte. Como cheguei a isto, nem eu sei. Sei que descobri tudo por acaso...
Era normal que, estando em casa, Adélia e papai não se largassem. Falavam sobre livros, cinema, ouviam música juntos... Eu e mamãe gravitávamos ao redor dos dois como estrelas menores diante de astros de primeira grandeza. Era quase constrangedor, às vezes, nas poucas ocasiões em que recebíamos visitas, a pouca atenção que ambos davam aos convidados, em relação ao tempo que consumiam entre eles. Ninguém achava nada de mais nisso. Acho que todos sabiam, desde que Adélia nascera, que meu pai amava-a mais do que tudo. Mas, o comportamento deles passou a me incomodar e, depois do incidente na adega, eu andava distante de Adélia. Ela fingia que não ligava, mas eu sentia que talvez temesse que eu dissesse alguma coisa a mamãe, sei lá. Nossa comunicação era restrita aos olhares e sorrisos.
Até que, numa noite em que papai e mamãe recebiam convidados para o jantar, tudo se esclareceu de maneira irremediável. Estávamos na ante-sala, onde os adultos degustavam petiscos e tomavam drinques. Papai anunciou que iria até a adega escolher uns vinhos para o jantar e saiu. Minutos depois, Adélia também sumira. Resolvi, não sei por que, ir atrás dela e, quase sem querer, fui parar na adega.
Estava mais escuro do que nunca, mas um tênue brilho vinha de algum lugar, assim como o som de gargalhadas. “Adélia”, pensei. Comecei a me esgueirar por entre as prateleiras carregadas de vinho. Cheguei ao átrio onde ficava a cama, ainda escondido atrás das garrafas e, o que vi entre cascos e rolhas me deixou sem ar. Adélia e papai estavam na cama, nus da cintura para baixo, e ela brincava com o pênis duro dele.
Daí foi o inevitável. A felação ardente, os palavrões entre os dentes, a penetração violenta e rápida. Os gemidos que pareciam ganhar corpo. Tudo não deve ter durado mais do que alguns minutos. Papai se limpou, se aprumou e, carregando duas garrafas de vinho, saiu da adega como se nada tivesse acontecido. Fiquei sem me mover, encarando o sexo vermelho e úmido de Adélia como se fosse um bicho pronto para atacar. Ela ficou deitada, com as pernas abertas e suspirando.
Comecei a sentir enjôo e resolvi sair dali, mas devo ter feito algum ruído, já que percebi o corpo de Adélia ficar rígido de repente. Saí da adega e voltei à ante-sala. Adélia apareceu alguns minutos depois, o rosto avermelhado. Sentou-se ao meu lado e mordiscou um salgadinho. Ao debruçar seu corpo sobre o meu, roçou os lábios em meu ouvido e sussurrou: “Fica sendo um segredo só nosso, hein?!”
Virei o rosto, espantado. Ela sorria e me piscou um olho.
Também apanhei um salgadinho e cochichei em seu ouvido, como quem conta uma piada qualquer: “Ou dá prá mim também ou mamãe vai saber de tudo!”

André Rittes: é jornalista, escritor, professor universitário e autor do livro “Máquina de fazer doido”.
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